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O TRC e a contratação do tac após a ADC 48


Narciso Figueirôa Junior, assessor jurídico da NTC&Logística

A relação jurídica envolvendo o transportador autônomo de cargas (TAC) e a empresa de transporte de cargas (ETC) remonta ao início do século XX. À época, a construção de estradas Brasil afora e a opção pelo modal rodoviário como principal matriz para o transporte de cargas fez com que surgissem as empresas de transporte rodoviário de cargas e também os transportadores autônomos de cargas, donos de seu caminhão, trabalhando em regime de cooperação mútua para o desenvolvimento da economia nacional.


Em outras palavras, sempre existiram as figuras da ETC e do TAC como transportadores, cada um atuando em seu espaço e muitas vezes em regime de mútua colaboração. Ora trabalham como concorrentes, mas muitas vezes estabelecem sólidas parcerias, pois ambas figuram são e sempre foram transportadores exercendo atividade econômica.


Há vários casos no segmento econômico do transporte rodoviário de cargas de transportadores autônomos que se tornaram empresários e de lideranças empresariais que muito fizeram e ainda fazem pelo desenvolvimento dessa relevante atividade, colaborando inclusive com a regulamentação e a estruturação sindical do transporte rodoviário de cargas.


Entretanto, nas últimas décadas, surgiram várias decisões judiciais equivocadas que passaram a enxergar fraude onde nunca houve, entendendo que a relação jurídica existente entre o TAC e a ETC é de emprego, e não de natureza comercial e civil.


O setor de transporte de cargas passou então a sofrer com o aumento do passivo trabalhista, quando os TAC passaram a ajuizar ações trabalhistas milionárias contra as ETC depois de trabalharem anos sem nunca ter a intenção de serem empregados, pois, além do capital investido no negócio representado pelo caminhão e seus equipamentos, sempre receberam remuneração bem superior àquela percebida pelos motoristas empregados.


Os transportadores autônomos de cargas sempre foram empreendedores e parceiros das empresas, e não empregados. Além disso, mesmo com a publicação das Leis nº 7.290/84 e 11.442/07, continuaram existindo os embates nos tribunais trabalhistas discutindo a relação jurídica existente entre essas duas espécies de transportadores.


Além dos processos trabalhistas, as empresas de transporte de cargas passaram a ser acionadas na Justiça do Trabalho por meio de ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho. O objetivo era impedir que essa contratação de natureza civil fosse feita, com pleitos de indenizações por dano moral coletivo e obrigações de não fazer sob pena multa diária.


O Ministério do Trabalho também passou a defender a existência de fraude nesta contratação e a lavrar autos de infração contra várias empresas de transporte. Ele entende que os TAC-agregados e independentes são empregados das empresas de transporte de cargas, agravando ainda mais o passivo das empresas.


Essa insegurança jurídica fez com que a Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 19/08/2017, ajuizasse no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 48 para que fosse declarada a constitucionalidade da Lei nº 11.442/2007.


Proposta pela Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, já tramitava no STF a Ação Direta de Constitucionalidade 3961, que visava a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 11.442/07. Por esse motivo, ambos os processos foram apensados para que pudessem ser julgados em conjunto.


A primeira legislação a tratar sobre o motorista autônomo no TRC foi a Lei nº 7.290/84, que não está revogada e trouxe uma definição inicial sobre esta figura. Ela dispõe o seguinte:

“Art. 1º - Considera-se Transportador Rodoviário Autônomo de Bens a pessoa física, proprietário ou co-proprietário de um só veículo, sem vínculo empregatício, devidamente cadastrado em órgão disciplinar competente, que, com seu veículo, contrate serviço de transporte a frete, de carga ou de passageiro, em caráter eventual ou continuado, com empresa de transporte rodoviário de bens, ou diretamente com os usuários desse serviço.

Art. 2º - A prestação de serviços de que trata o artigo anterior compreende o transporte efetuado pelo contratado ou seu preposto, em vias públicas ou rodovias.”

A Lei nº 11.442/07 é a principal legislação sobre transporte rodoviário de cargas e foi idealizada pela NTC&Logística no sentido de regulamentar a atividade.

Em seu primeiro artigo dispõe que:

“Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre o Transporte Rodoviário de Cargas – TRC realizado em vias públicas, no território nacional, por conta de terceiros e mediante remuneração, os mecanismos de sua operação e a responsabilidade do transportador.

.......................................................................................................

Art. 2º. A atividade econômica de que trata o art. 1º desta Lei é de natureza comercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas - RNTRC

da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, nas seguintes categorias:

I - Transportador Autônomo de Cargas - TAC, pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional;

II - Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas - ETC, pessoa jurídica constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal.

§ 1º. O TAC deverá:

I - comprovar ser proprietário, co-proprietário ou arrendatário de, pelo menos, 1 (um) veículo automotor de carga, registrado em seu nome no órgão de trânsito, como veículo de aluguel;

II - comprovar ter experiência de, pelo menos, 3 (três) anos na atividade, ou ter sido aprovado em curso específico.

§ 2º. A ETC deverá:

I - ter sede no Brasil;

II - comprovar ser proprietária ou arrendatária de, pelo menos, 1 (um) veículo automotor de carga, registrado no País;

III - indicar e promover a substituição do Responsável Técnico, que deverá ter, pelo menos, 3 (três) anos de atividade ou ter sido aprovado em curso específico;

IV - demonstrar capacidade financeira para o exercício da atividade e idoneidade de seus sócios e de seu responsável técnico.

.......................................................................................................

Art. 4º. O contrato a ser celebrado entre a ETC e o TAC ou entre o dono ou embarcador da carga e o TAC definirá a forma de prestação de serviço desse último, como agregado ou independente.

§ 1º. Denomina-se TAC-agregado aquele que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço o contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa.

§ 2º. Denomina-se TAC-independente aquele que presta os serviços de transporte de carga de que trata esta Lei em caráter eventual e sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada viagem.

Art. 5º. As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4º desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego.

Parágrafo único. Compete à Justiça Comum o julgamento de ações oriundas dos contratos de transporte de cargas.

.......................................................................................................

Art. 18. Prescreve em 1 (um) ano a pretensão à reparação pelos danos relativos aos contratos de transporte, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano pela parte interessada.” (Grifou-se)


A Lei nº 11.442/07 traz os conceitos do TAC-agregado e Independente, dispondo no artigo 4º que:

“Art. 4º. O contrato a ser celebrado entre a ETC e o TAC ou entre o dono ou embarcador da carga e o TAC definirá a forma de prestação de serviço desse último, como agregado ou independente.

§ 1º. Denomina-se TAC-agregado aquele que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço o contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa.

§ 2º. Denomina-se TAC-independente aquele que presta os serviços de transporte de carga de que trata esta Lei em caráter eventual e sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada viagem.”


À medida que o TST passou a examinar os processos que discutiam a existência ou não de vínculo empregatício em decorrência da terceirização de mão de obra, criou-se uma jurisprudência amparada na teoria da subordinação estrutural, defendida por Mauricio Godinho Delgado.

De acordo com essa teoria, a subordinação estrutural é aquela que se manifesta com a inserção do trabalhador dentro da dinâmica da atividade econômica do tomador de seus serviços, pouco importando se receba ou não ordens diretas dele. No entanto, se a empresa o acolher dentro de sua estrutura utilizando a sua prestação de serviços na dinâmica de organização e de funcionamento da empresa, será possível a configuração da relação de emprego.

De acordo com Maurício Godinho Delgado, em “Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho”, LTr-SP, n.6, p.657-667”:

“estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber ou não suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”.

Ocorre que em contraposição a essa teoria existe a da parassubordinação, que não tem sido admitida pela jurisprudência trabalhista brasileira. Ela não se confunde nem com a autonomia, nem com a subordinação e pauta-se pela colaboração e pela coordenação – ou melhor, pela colaboração coordenada.

Conforme o ensinamento de Amauri Mascaro Nascimento, em “Ordenamento Jurídico Trabalhista, SP, LTr, 2013, p.322”:

“a parassubordinação se concretiza nas relações de natureza contínua, nas quais os trabalhadores desenvolvem atividades que se enquadram nas necessidades organizacionais dos tomadores de seus serviços, contribuindo para atingir o objeto social do empreendimento, quando o trabalho pessoal deles seja colocado, de maneira predominante, à disposição do contratante, de forma contínua”.

No julgamento da ADPF 324/DF e do RE 958.252-RG/MG, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido da possibilidade de terceirização de qualquer tipo de atividade econômica, finalística ou não.


Ante o entendimento consolidado pela corte, a Lei nº 11.442/2007 mostra-se compatível com a Constituição ao prever a possibilidade de terceirização da atividade de transporte rodoviário de cargas.


Na mesma linha, o STF proferiu decisão, nos autos da ADPF 324, reconhecendo a compatibilidade da terceirização de toda e qualquer atividade – inclusive da atividade-fim – com a Constituição, valendo destacar a tese firmada pela Suprema Corte:


“1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993.”


A ADI 3961 foi proposta pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). Ela busca a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 11.442/07, em relação ao artigo 5º, caput e parágrafo único, que dispõe não haver vínculo empregatício decorrente do contrato de transporte, e do artigo 18, que estabelece o prazo prescricional de um ano para os danos relativos ao contrato de transporte.


A ADC 48 foi ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte, visando à declaração de constitucionalidade dos artigos 1º, caput, 2º, par. 1º e 2º, 4º, par. 1º e 2º e 5º, caput, da Lei nº 11.442/07. Isso aconteceu em função das diversas decisões da Justiça do Trabalho que negam a possibilidade de as ETC terceirizarem a sua atividade-fim, o que, no entender da CNT, viola os princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade da profissão, negando sistematicamente a aplicação da Lei nº 11.442/07.


Em 28/12/2017, o ministro Luís Roberto Barroso já havia deferido cautelar nos autos da ADC 48, determinando a suspensão de todos os processos que versassem sobre a aplicação dos artigos 1º, caput, 2º, par.1º e 2º, 4º, par.1º e 2º e 5º, caput, da Lei nº 11.442/07. Além disso, determinou a inclusão do processo e da pauta para julgamento do mérito pelo Plenário do STF.


Em 19/05/2020, foi publicado o acórdão do Supremo Tribunal Federal, cujo julgamento do Plenário do STF encerrado no dia 14/04/2020, por maioria de votos, vencidos os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, julgou procedente a Ação Direta de Constitucionalidade 48 e improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3961. Sua ementa é a seguinte:


“DIREITO DO TRABALHO. AÇÃO DECLARATÓRIA DA CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. LEI 11.442/2007, QUE PREVIU A TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO MERAMENTE COMERCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO.

1. A Lei nº 11.442/2007 (i) regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de carga; (ii) autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese.

2. É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170).

A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º). Precedente: ADPF 524, Rel. Min. Luís Roberto Barroso.

3. Não há inconstitucionalidade no prazo prescricional de 1 (um) ano, a contar da ciência do dano, para a propositura de ação de reparação de danos, prevista no art. 18 da Lei 11.442/2007, à luz do art. 7º, XXIX, CF, uma vez que não se trata de relação de trabalho, mas de relação comercial.

4. Procedência da ação declaratória de constitucionalidade e improcedência da ação direta de inconstitucionalidade. Tese:

“1 – A Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2 – O prazo prescricional estabelecido no art. 18 da Lei 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art. 7º, XXIX, CF.

3 – Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista”.


Segundo o bem fundamentado voto do ministro Luís Roberto Barroso, o mercado de transporte de cargas convive com três diferentes figuras: a empresa de transporte de cargas (ETC), o transportador autônomo de cargas (TAC) e o motorista empregado. A Lei nº 11.442/07 disciplinou a relação comercial, de natureza civil, existente entre os agentes do setor, permitindo a contratação de autônomos para a realização do transporte rodoviário de carga sem a configuração de vínculo de emprego.


Em seu voto, o ministro relator faz uma análise da estruturação da produção durante o século XX e da transição dos modelos taylorista e fordista. Neles, a tendência era de que a empresa executasse internamente todas as partes da sua cadeia de produção (integração vertical) para o modelo chamado toyotismo ou ohnismo, pelo qual a indústria automobilística japonesa criou uma organização do trabalho bastante enxuta e flexível com equipes operando de forma horizontalizada com controles próprios de seu trabalho e aperfeiçoando os produtos.


Após discorrer sobre a terceirização de partes da cadeia produtiva que permitem que a empresa concentre os seus esforços naquelas atividades que constituem o seu diferencial – a sua vantagem competitiva –, o voto do relator passa a analisar a evolução da terceirização das atividades-meio para as atividades-fim. Ele cita exemplos de atividades econômicas cuja aplicação é marcante tanto na produção de bens como na prestação de serviços e menciona vários países nos quais a terceirização da mão de obra é amplamente praticada. Ainda, discorre sobre como em um mundo globalizado e cada vez mais integrado tecnologicamente os países que rejeitam a terceirização encontram-se em indiscutível desvantagem competitiva, reconhecendo que a terceirização tornou-se um fenômeno global.


Em seu voto, o ministro relator também admite haver compatibilidade entre a terceirização e as normas constitucionais, citando que a Constituição Federal consagra a livre iniciativa e a livre concorrência como valores fundamentais da ordem econômica (art. 1º c/c art. 170, caput e inciso IV). Ele conclui que não há na Constituição norma que imponha a adoção de um único modelo de produção e que obrigue os agentes econômicos a concentrarem todas as atividades necessárias à consecução de seu negócio ou a as executar diretamente por seus empregados.


Sobre a Lei nº 11.442/07, o voto reconhece que a norma estabelece que o TAC pode ser contratado diretamente pelo proprietário da carga ou pela ETC, autorizando de forma expressa que a ETC terceirize a sua atividade-fim por meio da contratação do TAC. Além disso, a decisão sobre a forma de estruturar e contratar o transporte de cargas está inserida na estratégia da ETC, que pode entender, por exemplo, que o seu diferencial está na gestão do serviço de transporte, e não na sua execução direta propriamente, podendo haver subcontratação continuamente ou em período de pico de demanda.


O ministro relator também admite que o proprietário da carga, no gerenciamento da distribuição de seus produtos, pode valer-se de motoristas empregados para os distribuir e terceirizar parte do transporte contratando TAC como estratégia empresarial. As categorias dos transportadores autônomos previstas na Lei nº 11.442/07 convivem com a figura do motorista profissional empregado prevista no artigo 235-A e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), concluindo que o TAC constitui apenas uma alternativa de estruturação do transporte de cargas e não substitui ou frauda o contrato de emprego.


A decisão também reconhece que a Lei nº 11.442/07, em seu art. 4º, par. 1º, ao conceituar a figura do TAC-agregado, dispõe que ele dirige o próprio serviço diretamente ou por meio de preposto seu e não estão presentes os elementos da pessoalidade e da subordinação que caracterizam a relação de emprego (CLT, art. 3º). Além disso, o TAC-independente presta serviços em caráter eventual, também não havendo relação de emprego com o contratante.


Por fim, o voto lembra que a Lei nº 13.467/17 (reforma trabalhista), em seu artigo 4º, autorizou expressamente a terceirização da atividade fim da empresa, na mesma linha que já havia feito a Lei nº 11.442/07, sendo esta constitucional e compatível com a nova CLT e o STF, ao julgar a ADPF 324, também reconheceu a compatibilidade entre a terceirização de toda e qualquer atividade, inclusive a atividade-fim, com a Constituição Federal.


Dessa forma, o bem fundamentado voto entende que a Constituição não veda a terceirização da atividade-fim. Pelo contrário: as estratégias empresariais estão amparadas pelo princípio constitucional da livre iniciativa. No caso do transporte de cargas, a possibilidade de terceirização da atividade-fim é prevista na Lei nº 11.442/07, sendo constitucional, não havendo os requisitos da pessoalidade, subordinação e não eventualidade na prestação de serviços do TAC. Ele conclui então que, uma vez preenchidos os requisitos da Lei nº 11.442/07, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo empregatício, sendo também constitucional o prazo prescricional de um ano para ajuizamento de ação de reparação pelos danos relativos ao contrato de transporte, contados a partir do conhecimento do dano pela parte interessada.


Sobreleva ressaltar alguns pontos relevantes contidos no acórdão do STF na ADC 48, que transitou em julgado em 27/10/2020:


1. Entendeu que é preciso ter em conta, relativamente a essa lei, que o mercado de transporte de carga convive com três figuras diferentes: a empresa de transporte de carga; o transportador autônomo de carga e o motorista empregado. Nós aqui não estamos tratando do motorista empregado;


  1. A apreciação do pedido veiculado em ambas as ações impõe o exame de duas questões constitucionais: (i) a Constituição veda a terceirização de atividade-fim? (ii) a Constituição impõe que a proteção e a regulamentação de toda prestação remunerada de serviços ocorra mediante a configuração de relação de emprego?


  1. Para responder a essas duas perguntas, o voto do ministro Barroso fez uma breve exposição sobre: (i) as alterações no modo de estruturar a produção no curso do século XX a fim de contextualizar e de compreender o fenômeno da terceirização; e (ii) o exame da compatibilidade da terceirização com os princípios constitucionais da livre iniciativa e da proteção ao trabalho.


  1. É nesse contexto que se coloca a discussão sobre a terceirização no Brasil. A terceirização é muito mais do que uma forma de reduzir custos trabalhistas por meio de uma suposta precarização do trabalho, tal como alegado pelos que a ela se opõem. Pode, em verdade, constituir uma estratégia sofisticada, eventualmente imprescindível, para aumentar a eficiência econômica, para promover a competitividade das empresas brasileiras e, portanto, para manter e para ampliar postos de trabalho. Essa é a relevância da terceirização para a estruturação das atividades econômicas, e é com essa perspectiva que deve ser examinada;


  1. Nessa linha, no que diz respeito à compatibilidade entre a terceirização e as normas constitucionais, deve-se lembrar que a Constituição de 1988 consagra a livre iniciativa e a livre concorrência como valores fundantes da ordem econômica (CF/1988, art. 1º c/c art. 170, caput e inc. IV). De acordo com tais princípios, compete aos particulares a decisão sobre o objeto de suas empresas, sobre a forma de estruturá-las e sobre a estratégia para torná-las mais competitivas desde que obviamente não se violem direitos de terceiros. Não há na Constituição norma que imponha a adoção de um único modelo de produção e que obrigue os agentes econômicos a concentrarem todas as atividades necessárias à consecução de seu negócio ou a executá-las diretamente por seus empregados;


  1. A Lei nº 11.442/2007, por sua vez, previu as figuras da empresa de transporte rodoviário de carga (ETC) e do transportador autônomo de cargas (TAC) e estabeleceu que o TAC pode ser contratado diretamente pelo proprietário da carga ou pela ETC. A norma autorizou, portanto, de forma expressa, que a empresa transportadora de cargas terceirizasse a sua atividade-fim por meio da contratação do transportador autônomo;


  1. A decisão sobre a forma de estruturar e de contratar o transporte de cargas está inserida na estratégia empresarial da ETC. A ETC pode entender, por exemplo, que seu diferencial está na gestão do serviço de transporte, e não na sua execução direta propriamente. Nesse caso, poderá concentrar esforços na gestão da atividade e subcontratar a sua execução. Pode decidir executar o transporte em algumas regiões e optar por subcontratar o transporte para outras. Pode, ainda, valer-se da contratação do TAC em períodos de pico de demanda, quando não dispuser de motoristas suficientes;


  1. Do mesmo modo, o proprietário de carga que opte por gerenciar a distribuição dos seus produtos pode valer-se de motoristas empregados para distribuí-los, pode executar parte do transporte e terceirizar parte, pode concluir que é mais eficiente terceirizar integralmente a atividade de transporte. Trata-se, igualmente, de estratégia empresarial do proprietário da carga;


  1. Note-se, ademais, que as categorias previstas na Lei nº 11.442/2007 convivem com a figura do motorista profissional empregado, prevista no art. 235-A e seguintes da CLT. O TAC constitui apenas uma alternativa de estruturação do transporte de cargas, não substitui ou frauda o contrato de emprego;


  1. É válido observar, igualmente, que as normas constitucionais de proteção ao trabalho não impõem que toda relação entre o contratante de um serviço e o seu prestador seja protegida por meio da relação de emprego. Há alguma margem de conformação para o legislador ordinário. Não bastasse isso, ainda que se utilizassem os parâmetros da própria CLT, o transportador autônomo de carga não se configuraria como empregado;


  1. De acordo com o art. 3º da CLT, a relação de emprego caracteriza-se pelos seguintes elementos: (i) onerosidade, (ii) não eventualidade, (iii) pessoalidade e (iv) subordinação. A Lei nº 11.442/2007 prevê duas modalidades distintas de TAC: o TAC-agregado e o TAC-independente. O TAC-agregado, nos termos do art. 4º, §1º, da Lei nº 11.442/2007, dirige o próprio serviço e pode prestá-lo diretamente ou por meio de preposto seu, por expressa determinação legal. Não estão presentes, portanto, na relação com o contratante os elementos da pessoalidade e da subordinação. O TAC-independente presta serviços em caráter eventual. Portanto, em nenhum dos dois casos haveria relação de emprego nem mesmo à luz dos critérios da CLT.


12. A Constituição não veda a terceirização das atividades-fim. Pelo contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa assegura às empresas a formulação das suas próprias estratégias empresariais. No caso do transporte de carga, a possibilidade de terceirização da atividade-fim é, ademais, inequívoca, já que é expressamente disciplinada na Lei nº 11.442/2007. Não há que se falar na inconstitucionalidade da norma, uma vez que a Constituição também não impõe a proteção de toda prestação remunerada de serviços mediante a configuração de relação de emprego.


De acordo com o art. 5º da Lei nº 11.442/07, declarado constitucional pelo STF, a relação jurídica decorrente do contrato de transporte é de natureza comercial, competindo à Justiça Comum, e não à Justiça do Trabalho, apreciar e julgar as ações oriundas desta relação.


Dispõe o referido artigo que:


“Art. 5º. As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4º desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego.


Parágrafo único. Compete à Justiça Comum o julgamento de ações oriundas dos contratos de transporte de cargas.”


Porém, a Lei nº 14.206, de 27/09/2021, em seu artigo 18, alterou a Lei nº 11.442/07 para dar novo conceito à Cooperativa de Transporte Rodoviário de Cargas (CTC) e revogar o artigo 5º, par. 1º, que atribuía à Justiça Comum a competência material para julgar as ações oriundas dos contratos de transporte de cargas:



“Art. 18. A Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações, numerando-se o atual parágrafo único do art. 5º como § 1º:

"Art. 2º .....

III - Cooperativa de Transporte Rodoviário de Cargas (CTC), sociedade cooperativa na forma da lei, constituída por pessoas físicas e/ou jurídicas, que exerce atividade de transporte rodoviário de cargas;

....." (NR)


"Art. 5º .....

§ 1º (Revogado).

§ 2º No caso de contratação direta do TAC pelo proprietário da mercadoria, a relação dar-se-á nos termos desta Lei e será considerada de natureza comercial, conforme o caput deste artigo." (NR)

A despeito da referida alteração, entendemos que a competência material continua sendo da Justiça Comum, tendo em vista que a Lei nº 11.442/07 regulamenta a atividade econômica do transporte rodoviário de cargas e os direitos e deveres das pessoas físicas e jurídicas que exercem essa atividade econômica.


Após a decisão do STF na ADC 48, a maioria dos ministros da Suprema Corte tem entendido que não compete à Justiça do Trabalho apreciar controvérsia sobre relação jurídica entre o TAC e a ETC que tem por fundamento a Lei nº 11.442/2007.


Tal entendimento decorre da conclusão a que chegou o Plenário do STF de que a relação jurídica existente entre o TAC e a ETC é de natureza comercial e civil, devendo a discussão judicial sobre o tema ser remetida a apreciação e a julgamento pela Justiça Comum Estadual.


Ocorre que há algumas decisões da Justiça do Trabalho que negam vigência à decisão do STF na ADC 48 e rejeitam a arguição de incompetência absoluta, levando o STF a analisar várias Reclamações Constitucionais que assentam que:


“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. VIOLAÇÃO AO QUEDECIDIDO NA ADC 48. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA JULGAR CAUSA ENVOLVENDO RELAÇÃO JURÍDICA COMERCIAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. No julgamento da ADC 48, o ministro relator Roberto Barroso consignou em seu voto que a lei 11.442/07, 'disciplina, entre outras questões, a relação comercial, de natureza civil, existente entre os agentes do setor, permitindo a contratação de autônomos para a realização do Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) sem a configuração de vínculo de emprego'. 2. As relações envolvendo a incidência da lei 11.442/07 possuem natureza jurídica comercial, motivo pelo qual devem ser analisadas pela justiça comum, e não pela justiça do trabalho, ainda que em discussão alegação de fraude à legislação trabalhista, consubstanciada no teor dos arts. 2º e 3º da CLT. 3. Agravo Interno provido.” (Rcl n. 43.544-AgR, Relatora Min. Rosa Weber, Redator p/ o Acórdão Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, j. 17/02/2021, DJe 3/3/2021).


No que tange à terceirização de mão de obra, vale mencionar que a Lei nº 13.429, de 31/03/2017, alterou a Lei nº 6.019/74 para dispor sobre a prestação de serviços a terceiros e para permitir a terceirização pelo contratante de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.


Posteriormente, a Lei nº 13.467/17, de 13/07/2017, trouxe novas alterações à Lei nº 6.019/74, passando a definir a empresa prestadora de serviços a terceiros como sendo a pessoa jurídica destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.


A reforma trabalhista também trouxe alteração na Lei nº 6.019/74 para dispor que se considera prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica prestadora de serviços que possua capacidade econômica com a sua execução.


A contratante é pessoa física ou jurídica que celebra com a empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. Logo, o contratante pode ser pessoa física ou jurídica, mas o prestador de serviços terceirizados somente pode ser pessoa jurídica.


Além disso, a Lei nº 6019/74 foi alterada para dispor que não possa ser contratada a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos 18 meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para essa mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do prazo de 18 meses contados a partir da demissão do empregado.


Essas alterações foram relevantes e podem ter influenciado positivamente o STF na conclusão de que a Lei nº 11.442/07 é não apenas constitucional, mas compatível com o sentido que a legislação infraconstitucional adotou permitindo a terceirização tanto da atividade meio quanto da atividade fim, independentemente do ramo de atividade.


Vale destacar que a Lei nº 13.467/17 inseriu na CLT o artigo 442-B, que assim dispõe:


“A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.”


Considerando as decisões do STF e as alterações contidas na Lei nº 6019/74, entendemos que a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho que trata da terceirização está superada e deve ser cancelada: além de inconstitucional, se contrapõe às decisões da Suprema Corte sobre a terceirização, pois limita as hipóteses de terceirização apenas aos serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.


A despeito do posicionamento do STF sobre a contratação do transportador autônomo de cargas pelas empresas de transporte, recomendamos a adoção de cautelas nesta contratação de sorte a se evitar discussões judiciais.

A decisão do STF na ADC 48 não criou um salvo conduto para a terceirização no TRC, e vale destacar que o acórdão do ministro Barroso é preciso ao dispor que:


“3 – Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista”.


Assim, os requisitos da Lei nº 11.442/07 devem ser rigorosamente observados para que se possa configurar a relação comercial entre o TAC-agregado e o embarcador e a ETC.

O ministro Edson Fachin apresentou a divergência de que o princípio da primazia da realidade impõe a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 11.442/07 porque afirmam que o vínculo que se estabelece entre pessoas físicas ou empresas com transportadores rodoviários de cargas sempre será de natureza comercial. O ministro Barroso acrescentou ao seu voto um esclarecimento no sentido de que, se estiverem presentes os elementos do vínculo trabalhista e alguém estiver trabalhando como empregado, não incide a lei.


Portanto, a despeito da bem lançada decisão do STF, se na prática da prestação de serviços pelo TAC à ETC estiverem presentes os requisitos da relação de emprego, haverá o risco de reconhecimento do vínculo empregatício pela Justiça do Trabalho.


Entendemos que a histórica decisão do STF na ADC 48 é de suma importância para a atividade econômica do transporte rodoviário de carga e traz mais segurança jurídica para a subcontratação de transporte a frete que sempre defendemos ser constitucional, legal e inerente à própria da atividade, inicialmente prevista na Lei nº 7.290/84 e posteriormente com a Lei nº 11.442/07. Além disso, ganhou ainda maior ênfase com as alterações feitas na Lei nº 6.019/74 com as Leis nº 13.429/17 e 13.467/17, que passaram também a prever a possibilidade de terceirização da atividade principal da empresa, além da decisão do STF na ADPF 324 e no RE 958252.


Embora não citados no acórdão do STF, lembramos que o Código Civil, em seus artigos 733 a 756, autoriza duas empresas do seguimento do transporte de coisas firmarem o transporte cumulativo. Adicionalmente, a legislação tributária que regulamenta o ICMS também prevê a subcontratação, e a Lei nº 9.611, de 19/02/1998, que dispõe sobre o transporte multimodal de cargas, também fundamenta a possibilidade de terceirização na atividade de transporte de cargas.


Vale destacar que, ao contratarem outras ETC ou TAC para prestação de serviços de transporte de cargas, as empresas de transporte de cargas e logística devem observar rigorosamente os requisitos previstos na Lei nº 11.442/07, pois a decisão do STF anteriormente analisada concluiu pela sua constitucionalidade desde que respeitados os seus requisitos.


Considerando os julgamentos do STF sobre a terceirização e a Lei nº 11.442/07, pensamos que não há mais espaço para aplicação da teoria da subordinação estrutural na relação jurídica envolvendo o TAC-agregado e a ETC assim como não procede o entendimento de que a Lei nº 11.442/07 não ampara a contratação entre empresas de transporte de cargas.


Todavia, as empresas devem se precaver em relação à contratação do TAC, pois a decisão do STF na ADC 48 exige que os requisitos da Lei nº 11.442/07 sejam rigorosamente observados para que a relação entre o TAC e a ETC possa ser estritamente comercial.

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