top of page

O teletrabalho no Transporte Rodoviário de Cargas


Narciso Figueirôa Junior, assessor jurídico da NTC&Logística

Introdução


A tecnologia tem evoluído rapidamente, trazendo a todos nós a facilitação de várias tarefas seja no trabalho, no lazer, no lar ou nos estudos.

No trabalho, a tecnologia e os meios telemáticos de comunicação tornaram-se tão rotineiros que seria difícil imaginar o desenvolvimento de várias atividades sem a utilização de seus eficientes recursos.


Essa verdadeira revolução tecnológica tem afetado sensivelmente o campo das relações laborais, surgindo então uma nova espécie de prestação de serviços cujo incremento foi sensivelmente sentido durante a pandemia de covid-19. Esse é o teletrabalho.


Conceito


Podemos definir teletrabalho como a prestação de serviços prevista em lei com predominância de trabalho fora das dependências do empregador e com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, não se constituindo como trabalho externo.


A doutrina e a jurisprudência se inclinam favoravelmente à limitação do uso da expressão teletrabalho paras hipóteses de trabalho remoto exercido com uso intensivo de tecnologia para informação e comunicação.


Trata-se de um serviço de natureza subordinada ou não, dependendo da área em que é aplicado, sendo também encontrado no direito civil e na sociologia. São sinônimos do teletrabalho as expressões “trabalho à distância”, “trabalho periférico” e “trabalho remoto”.


Podemos encontrar o teletrabalho como gênero e como espécie. No direito do trabalho, ele é considerado como uma espécie do gênero “trabalho”.


Para realização do trabalho, no sistema clássico, há um local apropriado para o empregado prestar os seus serviços, há controle de horário, há hierarquia entre empregado e empregador e há controle na utilização do trabalho humano nas linhas de produção.


Por exigência da sociedade, surgiu um novo sistema de prestação de serviços no qual o local de trabalho, via de regra, passa a ficar cada vez mais distante do domicílio do empregador e, em alguns casos, também da residência do empregado.


Paralelamente, surgiram novos instrumentos tecnológicos de informação e de comunicação que permitem a realização de alguns serviços sem que o empregado seja obrigado a comparecer à empresa, os quais modificaram a forma da prestação de serviços tradicional.


O teletrabalho na legislação brasileira


Não raro, as pessoas confundem o teletrabalho com outras figuras. O teletrabalho não é trabalho em domicílio, pois pode ser desenvolvido em outro centro, distante daquele onde o empregado está ligado, sem necessariamente ocorrer na sua residência. Um exemplo é o trabalho realizado em filiais da empresa.


Mesmo quando executado no domicílio, o teletrabalho é desenvolvido apenas em parte do tempo, sendo comum que o empregado compareça à empresa em alguns dias da semana, o que vem sendo denominado de “regime híbrido”.


O home office é uma das espécies de teletrabalho, cujos serviços são prestados na residência do trabalhador.


Não é característica dessa modalidade de contratação o poder diretivo do empregador, pois o empregado estará também subordinado ao patrão, porém com maior liberdade do que o empregado comum.


Entretanto, o empregador controlará mais o resultado do trabalho do que as regras no procedimento, então não se trata de trabalho a título precário ou informal, mas uma nova modalidade de trabalho subordinado.

Podemos destacar três características fundamentais para esta modalidade de contratação: 1) a execução do teletrabalho está profundamente ligada às novas tecnologias, sendo o smartphone, o computador de mesa ou notebook os instrumentos principais e imprescindíveis para o desenvolvimento dessa espécie de labor; 2) na relação do empregado com o empregador, pois quase toda a prestação de serviços é realizada pela internet em tempo real; 3) o trabalho se desenvolve, preferencialmente, fora da unidade fabril que é o ambiente clássico da prestação de serviços, podendo ser realizado na residência do empregado ou em qualquer outro lugar.


A primeira alteração na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para inclusão do teletrabalho ocorreu com o parágrafo único do artigo 6º, na Lei nº 12.551/01, para dispor que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando e supervisão do trabalho alheio.”


Posteriormente, com a publicação da Lei nº 13.467, de 14/07/17, em vigor a partir de 11/11/17, foram inseridos no Capítulo II-A da CLT os artigos 75-A a 75-E, trazendo a primeira regulamentação do teletrabalho.


O teletrabalho e a reforma trabalhista


Embora muito comum atualmente, o teletrabalho não possui a regulamentação legal que se espera a despeito de a reforma trabalhista ter buscado traçar algumas diretrizes básicas.


A CLT traz um conceito do teletrabalho no artigo 75-B como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.


Não descaracteriza o regime de teletrabalho o comparecimento às dependências do empregador para realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento, como reuniões presenciais, treinamentos ou prestação de contas (CLT, 75-A, par. único).


Trata-se de uma modalidade especial de prestação de serviços, portanto há necessidade de haver pactuação por escrito, especificando as atividades que serão realizadas pelo empregado (CLT, 75-C).


É possível fazer alteração entre o regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes mediante aditivo contratual (CLT, 75-C, par. 1º).


O empregador pode alterar o regime de teletrabalho para o presencial desde que haja um prazo de transição mínimo de 15 dias e com registro em aditivo contratual (CLT, 75-C, par. 2º), não havendo nenhuma sanção para o eventual descumprimento do referido prazo.


Embora não prevista na lei, é possível a transição do regime de teletrabalho para o presencial mediante aditivo ao contrato de trabalho, podendo ser utilizado por analogia o mesmo prazo previsto no artigo 75-C, par. 2, da CLT.


Serão previstas em contrato escrito as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como o reembolso de despesas suportadas pelo empregado (CLT, 75-D).


Um dos aspectos mais importantes do teletrabalho, mas ao qual a CLT não trouxe uma solução adequada, é a responsabilidade pelos custos dos equipamentos, pela manutenção dos insumos e pelas contas de energia elétrica ou de internet, prevendo apenas a possibilidade de um ajuste escrito entre as partes.


O artigo 75-D, parágrafo único, dispõe que tais utilidades não integram a remuneração do empregado, solução que já consta do art. 458, par. 2º, I, da CLT.


Tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que os custos e as despesas próprias do contrato de emprego são ônus do empregador, sendo ele, portanto, o responsável por eventuais despesas que ocorrerem quando da adoção desse regime.


Outro aspecto relevante e que tem causado polêmica é a responsabilidade por acidentes ou por doença profissional causadas no regime de teletrabalho.


O artigo 75-E dispõe que cabe ao empregador instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a serem tomadas a fim de se evitar doenças e acidentes de trabalho.


É certo que nem todos os acidentes do trabalho decorrem de ato inseguro do empregado, e há acidentes e doenças equiparadas que decorrem de sobrecarga muscular. É o caso da tendinite, por exemplo, que pode ocorrer não só pelo descuido do empregado em relação à postura, mas também em razão de exíguos prazos para entrega de trabalhos, metas de difícil cumprimento e esforços repetitivos.


Também têm surgido no regime de teletrabalho problemas psicológicos decorrentes do isolamento do empregado, potencializado no período da pandemia de covid-19. É o caso de síndrome de Burnout, depressão, fadiga, estresse e esgotamento físico, o que exige cuidados das empresas e dos empregados.


Entretanto, é fundamental que o empregador instrua os empregados e adote medidas preventivas para redução dos riscos de acidentes e de doenças profissionais no teletrabalho.


Recomenda-se cautela com o excesso de informações e de carga de trabalho aos empregados em regime de teletrabalho, pois o empregado possui direito à desconexão.


No que tange às responsabilidades das partes contratantes no regime de teletrabalho, em relação ao empregado, basicamente são as mesmas responsabilidades do trabalho presencial, mas há necessidade de assinatura de um termo de responsabilidade em que ele se compromete a seguir as instruções fornecidas pelo empregador em relação a medidas preventivas a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho (CLT, art. 67-E, par. único).


Em relação ao controle de jornada e ao pagamento de horas extras no teletrabalho, faz-se mister observar algumas considerações.


Quando do advento da Lei nº 12.551/01, que inseriu o par. único ao artigo 6º, da CLT, houve interpretação de que o artigo 6º passou a representar uma nova forma de hora extra ou de sobreaviso e que a simples presença do uso do computador, do smartphone ou de outros meios telemáticos de comunicação em poder do empregado geraria o direito ao pagamento de horas extras.


Não é essa a interpretação que extraímos do referido artigo e nem a que prevaleceu na doutrina, pois o parágrafo único do artigo 6º, da CLT, reforça o conceito de subordinação jurídica inerente a um contrato de trabalho, que pode ser configurada à distância, não interferindo no conceito de horas extras.


Nesse passo, para que as horas extras possam ser geradas, há necessidade de efetiva demonstração de que os meios eletrônicos tenham sido efetivamente utilizados ao longo da jornada diária, semanal e mensal.


Para que se evite discussões judiciais sobre esse tema, é recomendável que as empresas adotem regras claras em seu regulamento interno estabelecendo limites para a prestação de serviços remotos, uso de e-mail pessoal e corporativo, participação de reuniões por videoconferência e uso de mídias sociais.


A Lei nº 13.467/17 inseriu o inciso III ao artigo 62 da CLT para dispor que os empregados em regime de teletrabalho não estão sujeitos ao controle de jornada.


Por essa razão, criou-se uma celeuma sobre ser ou não o teletrabalho compatível com o controle de jornada, ou seja, se está ou não ao alcance do empregador aferir a produção e a atividade do empregado nesta modalidade especial de prestação de serviços.


O enquadramento do contrato de trabalho no artigo 62 da CLT retira do empregado o direito a horas extras, a intervalos intra e interjornada e a adicional noturno e seus reflexos, salvo o descanso semanal remunerado.


O fato de o trabalho estar sendo desenvolvido à distância, por si só, não afasta a possibilidade de controle da jornada, pois o serviço externo somente se enquadra no artigo 62 se for efetivamente incompatível com o controle de jornada.


É temerário o empregador interpretar literalmente o artigo 62, III, pois a doutrina tem se posicionado no sentido de interpretar restritivamente o referido dispositivo em razão de sua excepcionalidade, afastando o controle da jornada apenas se efetivamente o trabalho for incompatível com o controle de jornada.


Caso seja possível esse controle, mesmo de forma remota, a doutrina e jurisprudência entendem que são aplicáveis as normas relativas ao controle de jornada, podendo o empregado fazer jus ao pagamento de horas extras nos casos de extrapolação da jornada normal de trabalho.


O teletrabalho pode ser previsto em acordo ou convenção coletiva com prevalência sobre a lei conforme previsto no artigo 611-A, VIII, da CLT.


Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em 2019 o teletrabalho estava previsto em apenas 1,2% das negociações coletivas. Já em 2020, durante a pandemia de covid-19, houve um aumento de normas coletivas tratando do teletrabalho passando para 13,7%.


De acordo com o mesmo levantamento, os setores com maior proporção de negociações coletivas sobre teletrabalho são os serviços (17,5%) e o comércio (16,3%). Na indústria, o percentual foi menor (9,7%), e entre os trabalhadores rurais o trabalho remoto foi de apenas 1,1%.


Todavia, segundo o estudo do DIEESE, ainda não se observa muita profundidade na regulamentação do tema no âmbito coletivo, pois a maior parte das cláusulas analisadas em 2020 tinha como principais objetos a autorização do home office em razão da pandemia, a definição de normas relacionadas ao fornecimento de equipamento ou a infraestrutura e a concessão ou a suspensão de auxílios.


Do ponto de vista do empregado, podemos apontar como principais vantagens do teletrabalho o desenvolvimento do labor de acordo com o seu biorritmo; menor autonomia e maior alienação do trabalho; redução do tempo dispendido entre o deslocamento de casa para o trabalho; diminuição do estresse, pois o empregado não ficará mais se submetendo ao trânsito caótico das grandes cidades; vida familiar e social mais intensa; redução da despesa com deslocamento.


Para o empregador, as principais vantagens são a redução do espaço físico e consequentemente a diminuição de custos mobiliários e imobiliários, a circulação mais rápida das informações, a diminuição das horas extras, a redução ou a eliminação de faltas, o aumento de produtividade e aumento da satisfação do empregado.

A sociedade também é beneficiada com a economia de energia elétrica e de combustíveis, com a melhoria do meio ambiente e do trânsito, com a racionalização da utilização dos imóveis urbanos, com a melhoria do relacionamento familiar e com o aumento do mercado de trabalho para pessoas que não podem se locomover ou que possuem dificuldade na locomoção, como pessoas portadoras de deficiências, idosos e mães.


Entretanto, há algumas desvantagens a serem apontadas. No âmbito geral, há um isolamento do indivíduo, a possibilidade de problemas com a saúde física do empregado decorrente da ergonomia ante a má utilização de móveis, problemas psicológicos, enfraquecimento da atuação e da representação sindical, favorecimento da quebra da privacidade, maior facilidade para violação de segredos industriais ou comerciais e redução da subordinação e possibilidade de mal uso dos recursos eletrônicos (internet, e-mail, mídias sociais).


Segundo dados pesquisados pelo professor Fabiano Zavanella no livro Evolução do Teletrabalho, pág. 29 e 41, de acordo com pesquisa realizada pelo IPEA, 20,8 milhões de pessoas no Brasil passaram a utilizar o teletrabalho no ano de 2020, o que seria equivalente a cerca de 22,7% dos postos de trabalho.


O autor menciona estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que indica que deve crescer em 30% o número de empresas que adotam o regime do home office. Destaca também outro estudo da Fundação Dom Cabral com a Grant Thornton envolvendo 705 profissionais que indica que 54% desses empregados pedirão aos gestores para trabalhar remotamente após a crise, o que indica que há forte tendência da adoção do teletrabalho no regime híbrido ou com parte do tempo de forma descentralizada.


Outro levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta que o home office poderá ser adotado por 22,7% das profissões no Brasil, alcançando mais de 20,8 milhões de pessoas e colocando o país na 45ª posição mundial e no 2º lugar no ranking de trabalho remoto na América Latina.


Há vários projetos de lei tramitando no Congresso Nacional visando à regulamentação do teletrabalho. Podemos citar como exemplo o PL 5581/20, que teve origem na Câmara dos Deputados, e o Projeto de Lei (PL) 3512/20, de iniciativa do Senado Federal.


O PL 3512/20, de autoria do Senador Fabiano Contarato (REDE/ES), propõe alteração no art. 75-D da CLT para, em síntese: a) obrigar o empregador a fornecer ao empregado a estrutura necessária e adequada à prestação do trabalho com foco na segurança e no conforto ergonômico e dos órgãos visuais do empregado; b) reembolsar o empregado pelas despesas de energia elétrica, de telefonia e de uso da internet relacionadas à prestação do trabalho; c) haver a possibilidade de dispensa do fornecimento de equipamentos e de infraestrutura necessária por acordo coletivo; d) necessidade de previsão dessas regras em contrato ou termo aditivo escrito; e) as utilidades anteriormente mencionadas não integrarem a remuneração do empregado; f) obrigatoriedade do controle de jornada.


O PL 5581/20, de autoria de Deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP), propõe nova regulamentação do teletrabalho, estabelecendo regras para o meio ambiente de trabalho e para a saúde e a segurança do teletrabalhador. Além disso, traz conceitos, princípios e diretrizes com regras objetivas de prevenção de danos e de proteção contra a degradação do meio ambiente de trabalho no ambiente doméstico (home office). Ainda, considera aspectos de ordem física, química, biológica ou psicológica e proteção contra a fadiga e tensões musculares decorrentes de carga excessiva de trabalho.


Ele cria obrigação de adoção de um código de conduta para empresas com mais de 50 empregados que promovem o meio ambiente equilibrado. Adicionalmente, prevê a possibilidade de adoção de modelo híbrido, cujas regras poderão ser estabelecidas em acordo ou convenção coletiva ou em contrato individual de trabalho, e responsabilidade solidária do empregador em caso de utilização de estações de coworking e similares em regime de terceirização.


Também estabelece a possibilidade de o empregador fazer vistoria no local de trabalho quando se tratar de home office, sendo que a recusa do teletrabalhador afasta a responsabilidade administrativa ou civil do empregador em relação às eventuais consequências.


Dispõe sobre a saúde mental do teletrabalhador com exigência de adoção, pelas empesas com mais de 50 empregados, de políticas internas de prevenção, de educação e de orientação para preservação da saúde mental dos teletrabalhadores.


Além de estabelecer a obrigação para empresas com mais de 50 empregados de manter políticas de gestão para preservação de meio ambiente de teletrabalho equilibrado (NR-17), cria responsabilidade compartilhada entre o empregado e a empresa em relação à prevenção de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais no teletrabalho. Propõe também alteração na Lei nº 8.213/91 para definir o acidente de trabalho e a doença profissional decorrentes da adoção do sistema do teletrabalho.


Dispõe, ainda, sobre a responsabilidade civil do empregador pelos danos pessoais causados ao teletrabalhador, permite a adoção do teletrabalho para os aprendizes e favorecimento às pessoas com deficiência e trata da proteção a pessoas idosas e vítimas de violência doméstica e também da proteção e da privacidade dos dados pessoais e da inspeção do trabalho.


Medida Provisória 1.108 e as alterações no regime de teletrabalho


A Medida Provisória (MP) 1.108, publicada em 28/03/2022, traz alterações na CLT em relação ao regime de teletrabalho. Altera sua definição para incluir o trabalho remoto, para tratar do controle de jornada como regra, para dispor sobre o modo de aferição do salário, para criar diferenciação entre o teletrabalho e telemarketing e para tratar do tempo de uso das tecnologias, dentre outras matérias atinentes.


Com as novas alterações, passaram a existir três espécies distintas de teletrabalhador: aquele que ganha por jornada (diária, quinzenal ou mensal); aquele que ganha por produção; e aquele que ganha por tarefa. Assim, passa a ser relevante analisar estas três figuras distintas para avaliar se será necessário ou não o controle da jornada de trabalho e eventualmente a prestação de serviços em regime de horas extras.

Com o advento da Lei nº 13.467/17, foi inserido o inciso II, ao artigo 62 da CLT para excluir do capítulo sobre cumprimento e controle de jornada os empregados em regime de teletrabalho.


Dessa forma, antes da MP 1.108, qualquer empregado que se ativava em regime de teletrabalho estava fora do regime de controle de jornada embora já existisse controvérsia na doutrina sobre esta exceção contida no artigo 62, III, da CLT, pois na maior parte dos casos há recursos tecnológicos capazes de aferir e de controlar a jornada de quem está se ativando no teletrabalho.


Com a MP 1.108, foi alterado o referido dispositivo e inciso para dispor que não estão sujeitos ao capítulo da jornada de trabalho “os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa”. Ou seja, se o empregado estiver no regime de teletrabalho fora das situações anteriormente mencionadas, trabalhando por jornada mensal ou diária, por exemplo, ele estará sujeito ao cumprimento e ao controle da jornada de trabalho.


Em outras palavras, com a nova alteração, o controle de jornada do empregado no regime de teletrabalho passa a ser a regra, ficando enquadrado na exceção do inciso III, do artigo 62, apenas o teletrabalhador que presta serviços por produção ou tarefa.


Trata-se de uma regra benéfica aos trabalhadores e que merece muita atenção dos empregadores, pois altera totalmente a regra anteriormente existente.


Foi alterada a redação do artigo 75-B, da CLT, para dispor que será considerada teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.


Dessa forma, a CLT passa a tratar como sinônimos o teletrabalho e o trabalho remoto, admitindo o regime híbrido, pelo qual o empregado pode trabalhar no regime de teletrabalho, exercendo as suas atividades fora ou nas dependências do empregador desde que sejam utilizadas as tecnologias de informação e de comunicação.


Foram inseridos novos parágrafos no artigo 75-B da CLT para estabelecer que: 1) o empregado submetido ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa; 2) na hipótese da prestação de serviços em regime de teletrabalho ou de trabalho remoto por produção ou tarefa, não se aplicará o disposto no capítulo da duração do trabalho; 3) o regime de teletrabalho e o trabalho remoto não se confundem e nem se equiparam à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento; 4) não constitui tempo à disposição do empregador o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária e de softwares, ferramentas digitais ou de aplicação de internet utilizados para o teletrabalho fora da jornada de trabalho normal, salvo se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho; 5) é permitida a adoção do regime de teletrabalho ou de trabalho remoto para estagiários e aprendizes; 6) salvo disposição em contrário estipulada entre as partes, ao contrato de trabalho de empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, exceto as regras previstas na Lei 7.064/82; 6) o acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador desde que assegurados os repousos legais.


Entendemos oportuna a inserção do parágrafo 7º ao artigo 75-E da CLT para ficar claro que aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e nos acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado.


Isso afasta a controvérsia existente em relação à aplicação da norma coletiva do teletrabalhador à medida que a regra geral para fins de regime de teletrabalho não é mais a de que prevalece a norma coletiva do local da prestação de serviços, e sim do local do estabelecimento de lotação do empregado.


Houve alteração na redação do artigo 75-C da CLT para excluir a sua parte final, passando a dispor que a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho ou de trabalho remoto deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho.


Fica instituída a regra de que o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.


Houve inclusão na CLT do artigo 75-F, com obrigação aos empregadores de conferir prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados e empregadas com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou do trabalho remoto.


Impactos do teletrabalho no transporte rodoviário de cargas (TRC)


O home office, espécie de teletrabalho, embora já utilizado há alguns anos, passou a ser adotado em larga escala e em diversas atividades, inclusive no transporte rodoviário de cargas, em razão da pandemia de covid-19.


Embora adotado, como regra, na área administrativa e comercial das empresas de transporte, o home office criou novos hábitos e um novo padrão de comportamento para os colaboradores, como reuniões on-line, flexibilidade de horário, possibilidade de executar tarefas a distância e até em outras localidades, maior convívio familiar e realização de cursos a distância, dentre outros.


O transporte rodoviário de cargas sofreu um impacto no início da pandemia em função das incertezas, mas logo retomou o ritmo, pois houve segmentos econômicos que não só foram pouco afetados pela pandemia como tiveram aumento de demanda.


No campo das relações trabalhistas, as medidas emergenciais trazidas com a Lei nº 14.020/20, e mais recentemente pelas Medidas Provisórias 1045 e 1046, tiveram aplicação por alguns meses no segmento do transporte de cargas, mas não afetaram o funcionamento dos serviços.


Como o transporte rodoviário de cargas possui a maior parte de suas atividades desenvolvidas externamente, o home office se restringiu a algumas funções específicas das áreas administrativa, comercial e de tecnologia da informação.


A área operacional das transportadoras não sofreu grande impacto com o home office, mas em outros segmentos da economia a adesão foi tão grande a ponto de grandes empresas já terem adotado esta modalidade de prestação de serviços em definitivo para várias funções visando à redução de custos e ao aumento da produtividade.


Com o intuito de discutir a regulamentação do teletrabalho, vale destacar que a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística) apoiou a realização do I Seminário Trabalhista do Transporte Rodoviário de Cargas pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados. Realizado em 15 de outubro de 2021, o evento foi conduzido de forma híbrida e obteve recorde de público, além de também debater as novas modalidades de contratação e os impactos no transporte rodoviário de cargas.


O evento pode ser acessado na íntegra de forma on-line.

Uma reflexão que se coloca sobre o tema é se o mercado de trabalho brasileiro está pronto para adotar o novo modelo híbrido.


Acreditamos que sim, pois ele traz mais benefícios do que desvantagens aos atores sociais.


Tendo em vista tanto a ausência de perspectiva de rápido retorno à normalidade em função da pandemia e de suas cepas quanto a redução de custas para as empresas, o home office tende a se fortalecer no país.


Há um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) que avalia que o número de empresas que pretendem adotar o teletrabalho no pós-pandemia deve crescer 30%.


Outro levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta que o home office poderá ser adotado por 22,7% das profissões no Brasil, alcançando mais de 20,8 milhões de pessoas.


Segundo dados do IPEA, em novembro de 2020, o contingente de trabalhadores em home office representava 9,1% dos 80,2 milhões de ocupados e não afastados, ou seja, mais de 7,3 milhões de pessoas. São funções que estão mais adaptadas à conectividade e ao mundo digital.

Conclusões


É inegável que o teletrabalho e o home office farão parte da rotina do mundo corporativo de forma definitiva, mas há quem entenda que o modelo híbrido, que compatibiliza o teletrabalho com o regime presencial, será uma tendência com a volta da normalidade.


Embora haja aspectos negativos no teletrabalho e que merecem atenção especial pelas empresas, os benefícios dele decorrentes são muito maiores. Em nosso ver, uma futura regulamentação não deve ser muito complexa a ponto de dificultar ou até mesmo de inviabilizar a sua aplicação.


O setor de transporte depende da tecnologia para que possa ser eficiente tanto na gestão administrativa quanto na operacional. Entretanto, por mais que invista em tecnologia, sem as pessoas não se consegue viabilizar o negócio.


As empresas devem estar atentas ao que acontece não só no mercado, mas também com os seus colaboradores. Além disso, devem investir na qualificação de seus empregados e apoiar os recursos humanos (RH), pois o teletrabalho cria uma nova cultura nas organizações, e a sua inserção nas relações trabalhistas é um processo irreversível.


O primeiro passo é preventivo, no sentido de instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a serem tomadas a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.


O segundo passo é permitir que os colaboradores no home office continuem integrados aos objetivos da empresa e que eles possam interagir com os demais colaboradores, sendo de extrema relevância o papel do RH estratégico.

O teletrabalho precisa de uma regulamentação para que fiquem mais claras as responsabilidades de empregado e de empregador quanto aos custos dele decorrentes, a observância das regras de segurança e de saúde do trabalho, os benefícios aplicáveis e as regras para o regime híbrido, cuja adoção após a pandemia é uma forte tendência no mundo corporativo.


Cremos que a revolução tecnológica está criando uma nova fase do direito do trabalho, na qual necessariamente a legislação deverá se adaptar às novas modalidades de contratação, buscando adequá-las à realidade socioeconômica e, sobretudo, às necessidades dos atores sociais.

bottom of page