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A integração nacional na repressão aos delitos de carga


Roberto Mira, vice-presidente de Segurança da NTC&Logística

Desde meados da década de 1990, o transporte rodoviário de cargas (TRC) convive com um cenário de altos índices anuais de roubos, o principal dentre os delitos de desvios de cargas, representando da ordem de 91% do total das ocorrências registradas.


A área da NTC&Logística responsável por segurança identificou, desde aquela época, a necessidade de se enfrentar o problema priorizando seus esforços em duas vertentes de atuação. Em nível conjuntural e estratégico, essas duas vertentes apresentam-se como as causas principais do cenário adverso que o TRC enfrenta cotidianamente contra a pirataria da carga. São elas:


1. Buscar a estruturação de um sistema nacional que, sob coordenação da área federal, integre todas as instâncias estaduais (policiais e fazendárias, especialmente) com responsabilidade no combate aos delitos de carga.


2. Buscar, junto aos legisladores do Congresso Nacional, o agravamento da legislação penal aplicável aos crimes de carga, especialmente em relação ao roubo e à receptação, porque a cominação de penas definida para esses delitos em nosso Código Penal (CP) mostrava-se à época – e, no que diz respeito à receptação, até hoje vigente – muito branda para a gravidade desses crimes. Na prática, isso permite que os infratores se valham da leniência das leis para obter a liberdade e reincidir em suas práticas criminosas em um ambiente de impunidade que causa desalento ao TRC e à sociedade em geral.


Ao longo de quase três décadas de esforços nesses dois focos prioritários de atuação, temos conquistas importantes a destacar. Porém, lado outro, ainda há muito trabalho a se desenvolver na seara da repressão aos delitos de carga para que o segmento transportador rodoviário tenha dias mais tranquilos em sua relevante missão de contribuir para o abastecimento logístico da nossa sociedade.


Inicialmente, centrando a abordagem nas demandas do TRC em relação ao aprimoramento da legislação penal aplicável aos delitos de carga, o entendimento unânime é de que, para mitigar os altos índices de roubos e de receptação (lembrando que a receptação é o crime que acolhe as práticas criminosas antecedentes de roubo, furto, apropriação indébita, contrabando, descaminho e falsificação), temos que penalizar com mais rigor os autores desses crimes, aplicando-lhes penas restritivas da liberdade maiores, de modo a isolá-los do convívio social e a impedi-los das práticas delitivas. Há que se considerar, também, que esse maior rigor penal deverá servir como fator de dissuasão para potenciais criminosos em relação a esses delitos. Daí porque, nessa ótica, a atuação política do TRC junto aos legisladores tem por propósito maior criar um arcabouço jurídico que ofereça aos aplicadores da lei, nas instâncias policiais e judiciárias, dispositivos legais para aplicar penalidades severas aos criminosos que causam danos ao transporte de cargas.


Nessa vertente de atuação, a mais importante conquista foi obtida com o agravamento penal do crime de roubo (art. 157/CP) a partir da vigência da Lei nº 13.964/19, mais conhecida como Pacote Anticrime. Pelo novo texto, as situações de roubo de cargas podem ser penalizadas com até 20 anos de prisão e podem ser tipificadas como “crime hediondo” sempre que, na ocorrência, se configurar o emprego de arma de fogo ou o sequestro temporário do motorista. Além disso, uma vez enquadrado o crime como hediondo, o infrator deverá cumprir de 40% a 70% da pena em regime fechado para, só então, habilitar-se à progressão ao regime semiaberto e se beneficiar de possíveis saídas temporárias. Durante anos, o TRC lutou para agravar a pena aplicável ao roubo de cargas, e nosso esforço foi recompensado, porque a lei hoje permite penalizar adequadamente os assaltantes de carga! O TRC fez a sua parte, e cabe agora aos aplicadores da lei cumprirem o seu papel!


Nas demais demandas legislativas para crimes contra o TRC, a prioridade agora está voltada para o agravamento penal dos delitos de receptação (art. 180/CP), em relação tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica. Vale lembrar, também, o interesse em penalizar com mais rigor as práticas criminosas do uso ilegal do jammer e do saque de cargas. Nessas três demandas, apesar dos esforços desenvolvidos ao longo dos anos, nada de concreto temos hoje. A legislação vigente é absolutamente inadequada e não contribui para o enfrentamento desses delitos. Para o TRC, resta não esmorecer e persistir na luta para alcançar esses objetivos!


Feitas as considerações pertinentes ao aprimoramento da legislação penal, é hora da abordagem principal deste texto analítico, que inclusive estampa o título desse artigo: a integração nacional na repressão aos delitos de carga.


É indiscutível que a necessidade primordial do TRC sempre foi (e será) a existência de respostas operacionais, da parte governamental, para reprimir as ações criminosas praticadas contra o transporte de cargas. Embora, por sentimento de justiça, se deva reconhecer o profícuo trabalho desenvolvido ao longo dos anos pelos organismos federais e estaduais no enfrentamento aos delitos de carga, a verdade é que, com as devidas exceções, as ações operacionais foram sempre desenvolvidas em nível regional pelos organismos responsáveis. Daí porque, como principal interessado na integração de esforços para maior eficácia no combate aos delitos de carga, o TRC, desde a década de 90, assumiu o protagonismo na construção de um sistema nacional, legalmente constituído, congregando instâncias governamentais federais e estaduais e com a participação efetiva dos setores privados para repressão aos delitos de carga em nosso país.


Em sintética retrospectiva, em agosto de 1997 foi apresentado o projeto de lei que, em 09/02/2006, tornou-se a Lei Complementar nº 121/06 e criou o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas em nosso país. Mais de nove anos se passaram até que, em 23/12/2015, o Decreto nº 8.614/15 regulamentou a lei. Em seu texto, definiu a existência de um comitê gestor para gerir o sistema nacional e conduzir a política nacional de enfrentamento aos delitos contra veículos e cargas. Para nós do TRC, ver a estruturação formal de um sonhado sistema nacional após 18 anos de intenso trabalho junto aos Poderes Legislativo e Executivo – ou seja, o coroamento dos esforços desenvolvidos – foi motivo de imensa satisfação!


O Comitê Gestor, de 2016 até o primeiro semestre de 2021, dedicou-se a estruturar-se internamente, a compreender as diferentes realidades do roubo de cargas no país e a definir conceitos sistêmicos e estratégias de atuação. Como exemplo maior, realizou-se a definição de um conceito de “carga” para padronização do levantamento estatístico nacional de modo a eliminar as distorções hoje constatadas pela diversidade de padrões em uso. Em termos operacionais, pouco produziu nesse período, até por conta dos reflexos da pandemia que inibiu as práticas operacionais.


Porém, a partir de meados de 2021, a atuação do Comitê Gestor é digna dos maiores reconhecimentos. Dentre as principais realizações, alinham-se:


1. A realização de três reuniões de grande expressão buscando a integração das autoridades responsáveis na repressão aos delitos de carga (a primeira, em Brasília, reunindo delegados titulares das delegacias especializadas do país; a segunda, em Recife, reunindo organismos policiais da Região Nordeste; e, a terceira, em Cuiabá, reunindo representantes das Regiões Centro-Oeste e Norte). Após a estratégia de integração regional, o próximo passo será a realização de encontros nacionais.


2) O desencadeamento de 47 operações de repressão a organizações criminosas, com apreensão de veículos e de cargas desviadas e com a prisão de mais de uma centena de infratores.


3) Estudos aprofundados para implantação da tecnologia de rastreamento em todas as mercadorias em trânsito no país.


4) Gestões junto aos estados para adoção do conceito padrão de “carga”, com vistas a um levantamento estatístico mais realista do cenário nacional.


Em conclusão, reafirmamos nossa visão inicial. Muito se construiu ao longo de 30 anos considerando as vertentes de atuação elencadas pela área de segurança da NTC&Logística – até porque, de rigor, nada existia em termos de integração nacional. Porém, em visão prospectiva, há um longo trabalho pela frente: de um lado, acompanhar os trabalhos do Comitê Gestor para que ele não perca o foco em dar as respostas operacionais necessárias ao TRC; de outro, persistir nos esforços junto ao Poder Legislativo para o aprimoramento da legislação penal aplicável, prioritariamente em relação ao crime de receptação, tanto para o infrator quanto para o estabelecimento envolvido no crime.


Roberto Mira

Vice-presidente de Segurança


Coronel Paulo Roberto de Souza

Assessor de Segurança


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