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A desburocratização do TRC e a simplificação do cadastro no RNTRC


Ao longo de muitas décadas, à medida que foram ganhando consciência da própria força, os transportadores, as empresas e os autônomos buscaram a natural e indispensável organização da classe. Também se deram conta da necessidade de uma estruturação profissional baseada na ordenação jurídica e regulamentar da atividade, conquistando, gradativamente, a sustentação legal para o exercício da atividade.


Atualmente, as bases legais do transporte rodoviário de cargas (TRC) são a Lei nº 10.233/2001 e a Lei nº 11.442/2007: a primeira instituiu o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC), e a segunda detalhou as regras gerais do cadastro e da operação de transporte.


Outros regulamentos dispõem sobre a atividade de transporte. É o caso da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), seções I e III do Capítulo XIV, que reforça a relação contratual entre particulares no contexto do Transporte Remunerado de Cargas, e do Decreto nº 9.723/2019, que altera vários normativos e institui o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como instrumento suficiente e substitutivo da apresentação de outros documentos do cidadão no exercício de obrigações e de direitos ou na obtenção de benefícios.


Por fim, há a Lei nº 14.206/2021, que instituiu o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e) como documento obrigatório de registro, caracterização, informação, monitoramento e fiscalização da operação de transporte. Juntamente com os normativos mencionados, essa lei influenciou diretamente as alterações realizadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na revisão da Resolução 4.799/2015, que estabelecia procedimentos para inscrição e manutenção no RNTRC e dispunha sobre a operação de transporte e sobre as infrações e penalidades relacionadas, até ter sido substituída pela Resolução 5.982/2022.


O RNTRC sempre serviu como mecanismo de controle para as políticas públicas voltadas ao setor e à caracterização do mercado. Por isso, a sua evolução é mais do que fundamental para que ele não se torne uma mera obrigação burocrática. Ao longo dos mais de cinco anos da vigência da Resolução 4.799/2015, a ANTT identificou oportunidades de aperfeiçoamento que sugerem uma maior aderência da norma à realidade atual.


A política pública focada na liberdade econômica e na desburocratização tem como principal dispositivo a Lei nº 13.874/2019. Esta institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabeleceu garantias de livre mercado, alterou o Código Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e vários outros dispositivos legais relacionados ao tema e, ainda, motivou a revisão de alguns dispositivos do principal regulamento do setor.


Os custos para manter o cadastro no RNTRC regularizado são expressivos. De acordo com estudo da própria agência, somente a desobrigação da identificação visual (adesivos) dos veículos cadastrados no RNTRC, em 2019, produziu uma economia de R$ 63 milhões ao setor. Conforme Nota Técnica SUART Nº 4673/2020, o setor registrou um custo médio anual de R$ 228 milhões com serviços de intermediários para efetuar cadastro e atualizações em seu registro no RNTRC, mas algumas simplificações trazidas pela Resolução 5.982/2022 podem contribuir para diminuir o fardo regulatório ao transportador.


Principais mudanças da Resolução ANTT nº 5.982/2022

Requisitos para inscrição


A propriedade do veículo agora será conferida mediante consulta ao banco de dados do Denatran ou perante apresentação do Certificado de Registro de Veículo no Registro Nacional de Veículos Automotores (RENAVAM) no ato da inscrição ou da movimentação de frota. Os contratos de arrendamento continuam sendo anotados no RENAVAM ou cadastrados no RNTRC digital, como já vinha ocorrendo.


Recadastramento


Com a adesão do Brasil aos Códigos de Liberalização de Movimento de Capital e de Operações Correntes Intangíveis da OCDE, o Estado Brasileiro perde pontos junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) quando estabelece prazo de validade para o RNTRC, conforme argumenta a ANTT. Além disso, buscando simplificar processos e se adequar aos preceitos do Decreto nº 9.723/2019 e da Lei nº 13.874/2019, a ANTT removeu o prazo de validade do certificado do RNTRC (CRTRC), anteriormente de 5 anos. Agora, o transportador não precisa mais realizar o recadastramento, e o seu registro possui prazo indeterminado.


Para não deixar que o RNTRC se torne um registro desatualizado pela falta de recadastramento, a ANTT o substituiu pelo que chamou de “revalidação ordinária dos dados cadastrais” no RNTRC. De acordo com o normativo, esse procedimento deverá ser regulamentado por atos complementares e poderá, inclusive, seguir o mesmo dos recadastramentos anteriores.


Ainda sem regulamento, a revalidação ordinária poderá seguir um processo mais simplificado do que o recadastramento que foi feito em 2016, como defende a Agência na Nota Técnica SUROC Nº 2985/2022: “com a evolução do DT-e e sua integração com o RNTRC, o processo de revalidação ordinária se tornará ainda mais assertivo, podendo selecionar como público-alvo da atualização aqueles transportadores que não realizaram a operação de transporte ou que tiveram pequena frequência”.


Situação do CRTRC


As situações do registro do transportador no RNTRC podem ser “pendente”, “ativo”, “suspenso” ou “cancelado”. As situações de “provisório” e “vencido” deixaram de existir, o que deve trazer mais segurança ao transportador que pretende incluir o primeiro veículo na frota visto que a situação “pendente” não é resultado de infração.


A situação “pendente” ocorre quando o único quesito não cumprido pelo transportador é a presença de (pelo menos um) veículo automotor de cargas em sua frota. Nessa situação, o transportador não pode exercer a atividade de transporte rodoviário de cargas, mas pode alterar a categoria de seus veículos para “aluguel” junto aos órgãos de trânsito, como era permitido fazer com o registro “provisório”.


A suspensão ocorrerá quando (1) um dos requisitos exigidos para o cadastro deixar de ser atendido; não for atendida a solicitação de atualização cadastral requisitada pela ANTT; houver impedimento, obstrução ou dificuldade, de qualquer forma, ao acesso da fiscalização às dependências; não forem apresentadas informações e documentos solicitados formalmente pela fiscalização; forem apresentadas informações incorretas ou fraudulentas para inscrição e/ou manutenção no RNTRC.


Regulamentação da Operação e Documento de Transporte


A ANTT removeu a seção que tratava da regulamentação da operação de transporte. Segundo o órgão, os tópicos não dependiam de regulamentação, bastando apenas o cumprimento do que dispõe a Lei nº 11.442/2007 por parte do mercado. Dessa forma, o regulamento voltou a se concentrar apenas no cadastro do transportador no RNTRC, como era feito antes da publicação da Lei nº 11.442/2007.


Há a expectativa de o DT-e, instituído pela Lei nº 14.206/2021, substituir o Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e) como documento que caracteriza a operação de transporte. Com isso, a nova resolução dispensou regulamentar o documento de transporte e de controle de chegada/saída do transportador nas dependências do embarcador/destinatário, visto que essas funções caberão, futuramente, ao DT-e.


Fiscalização


A nova resolução incorpora a possibilidade de fiscalização nas dependências do expedidor e do destinatário para averiguação de regularidade do RNTRC e da operação de transporte. Assim, permite-se uma fiscalização mais consistente e detalhada do transporte rodoviário remunerado de cargas, e isso amplia o espectro de fiscalização da Agência, que antes só alcançava o transportador rodoviário remunerado de cargas.


Destaca-se a eliminação da penalidade sobre a ausência do porte do documento que caracteriza a operação de transporte, uma vez que o documento não é mais regulamentado por resolução, considerando que o DT-e foi instituído na Lei nº 11.442/2007. Segundo estudo realizado durante a revisão da resolução, tal infração gerou 9.633 multas de R$ 550 conforme regulamento anterior, representando quase um terço das multas aplicadas no período de 01/01/2018 a 30/08/2019.


Por fim, os valores das multas foram categorizados em quatro níveis de gravidade para as infrações (leve, média, grave e gravíssima) e vinculados a quatro valores monetários de acordo justamente com a gravidade (R$ 750, R$ 1.500, R$ 3.000 e R$ 6.000).


Analisando o impacto das novas regras sobre os transportadores, é muito bem-vinda a tentativa de aliviar o setor de procedimentos, que atualmente podem ser feitos eletronicamente ou por meio da integração com outros órgãos públicos para manter o RNTRC atualizado. A busca pela integração dos sistemas informacionais do setor gera não apenas economia de despesas burocráticas, como também permitirá no futuro regular de maneira mais ampla um setor marcado pela complexidade operacional.


*As opiniões emitidas pelo autor do artigo não refletem necessariamente a posição da ANTT.


Sobre Victor Haselmann Arakawa:


É mestre em ciências econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Especialista em regulação e coordenador de acompanhamento do transporte rodoviário e multimodal de cargas na ANTT.


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