
Por meio do acórdão publicado em 14/05/2021 nos autos do processo TST-RR-1001791-47.2017.5.02.0054, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento ao recurso de revista de uma empresa de transporte de cargas e logística e reformou a decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região de São Paulo para anular um auto de infração por descumprimento da cota de contratação de aprendizes. Além disso, determinou a exclusão do motorista da base de cálculo, acolhendo as alegações da empresa de que se trata de função que possui habilitação específica e não demanda formação profissional, entendendo que a decisão do TRT da 2ª Região, que manteve inalterada a sentença que julgou improcedente a ação, incorreu em violação dos artigos 428 e 429 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
A empresa foi autuada pela fiscalização do trabalho por deixar de empregar aprendizes em número equivalente a no mínimo 5% dos empregados existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional, indicando como capitulação o artigo 425, caput, da CLT.
Após não ter obtido êxito na elaboração de defesa e de recurso administrativo, visando anular o auto de infração, a empresa ajuizou ação anulatória na Justiça do Trabalho da 2ª Região de São Paulo alegando, dentre outros fundamentos jurídicos, o de que a atividade de motorista é desenvolvida, obrigatoriamente dentro de um veículo. No caso da autora, é para dirigir caminhões, veículos pesados e semipesados e que demandam treinamento técnico especializado. Além disso, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) proíbe que menores de 18 anos dirijam automóveis. Ainda, no caso das empresas de transporte rodoviário de cargas, trata-se de motoristas de caminhão, veículo com peso superior a 3500 kg. Aqueles com 18 anos e habilitados devem cumprir um período de 12 meses na categoria B, estando apenas após esse período habilitado para poder dirigir veículos de carga, pois a condução dos veículos de grande porte exige a carteira de habilitação na categoria “E”. Como o artigo 145 do CTB exige que o condutor tenha mais de 21 anos e que tenha experiência de três anos de trabalho nas categorias anteriores, isso inviabiliza a contratação de aprendizes para essa profissão. A empresa também defendeu a tese de que o cálculo do número de aprendizes indicado pelo auditor fiscal do trabalho encontra-se equivocado, pois a função de motorista não deve ser computada: de acordo com os artigos 145 e 147 do CTB, depreende-se que a atividade de motorista tanto de caminhões quanto de ônibus exige “habilitação profissional” que se distingue de “formação metódica”.
Mantendo inalterada a sentença da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo, o TRT da 2ª Região julgou improcedente a ação e negou provimento ao recurso ordinário da empresa, entendendo que a função de motorista demanda formação profissional e está incluída na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho, e que não faz parte das exceções previstas no artigo 10, § 1º, do Decreto 5.598/2005. Dessa forma, existe a possibilidade de a função de motorista ser exercida pelos próprios aprendizes na medida em que o contrato de aprendizagem pode se dar, em regra, até os 24 anos de idade, o que afasta qualquer justificativa de que tais requisitos possam excluir tal função da base de cálculo do número de contratos de aprendizagem.
Inconformada, interpôs a empresa recurso de revista, requerendo a exclusão dos motoristas da base de cálculo da contratação aprendizes. Demonstrou a existência do requisito da transcendência e indicou divergência jurisprudencial e afronta aos artigos 1º, § 2º, 145, 147 e 149 do CTB, 5º, 6º e 22, XI, da Constituição Federal, 2º da Lei nº 13.103/15, 51, § 1º, do Decreto nº 9.579/2018, 10º, §1º, do Decreto nº 5.598/2005 e 428 e 429, 430 e 431 da CLT.
A 4ª Turma do TST deu provimento ao recurso de revista da empresa entendendo que de fato o artigo 429 da CLT estabelece obrigações às empresas de empregar e de matricular aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem nas funções que exijam formação profissional. Entretanto, essa regra não se aplica à atividade de motorista, a qual não pode ser incluída na base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados pela empresa de transporte de carga. O motivo é que, para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou de produto perigoso, uma das exigências previstas no artigo 145, I e II, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é a de que o condutor tenha, no mínimo, 21 anos de idade, além de ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, em conformidade com normas editadas pelo CONTRAN. Isso leva à conclusão de que, a princípio, nenhum menor de 21 anos poderá sequer apresentar-se para frequentar curso de especialização. Outro argumento acolhido pelo TST foi o de que o artigo 428 da CLT trata de “formação técnico-profissional metódica, compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico” e há distinção entre função que exija formação técnico-profissional de função que exija habilitação profissional. Além disso, a decisão do TST dispõe que o intérprete da lei há que ter muito cuidado ao proceder à leitura dos dispositivos que cuidam da matéria objeto de interpretação. Isso porque o artigo 10 do Decreto nº 5.598/05, ao estabelecer que “Para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego”, pois no caso do motorista de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou de produto perigoso não se enquadra na formação técnico-profissional, mas, sim, em habilitação profissional e treinamento específicos para o desempenho da atividade. De acordo com a decisão, “se o trabalhador já estivesse eventualmente ‘pronto’ para o exercício das atividades de motorista profissional, após todas as etapas previstas nas normas legais e administrativas que cuidam da matéria, não mais seria, data vênia, ‘aprendiz’, senão o próprio ‘profissional habilitado”" para o desempenho das funções de motorista de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou de produto perigoso. Sendo assim, não há como incluir a função de motorista na base de cálculo dos aprendizes”.
Embora não se trate de decisão inédita no TST, possuem relevância os fundamentos e a conclusão da 4ª Turma no sentido de que a função de motorista não deve ser incluída na base de cálculo da cota de aprendizagem, pois a referida função exige habilitação específica que não se confunde com formação técnico-profissional metódica, sendo equivocado o entendimento de que a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) seja fundamento legal para se concluir que o motorista de transporte de cargas e de passageiros possa ser aprendiz. Ademais, o exercício das funções de motorista exige idade mínima de 21 anos, habilitação nas categorias D e E e aprovação em cursos e treinamentos de prática veicular, requisitos que os candidatos a aprendiz, para essa função, não conseguem atender. Portanto, a função de motorista exige qualificação específica, conforme previsto no artigo 149 do CTB, o que inviabiliza o exercício da atividade de motorista por aprendizes, sem contar que, uma vez habilitado nas categorias D ou E, o motorista já é considerado pela legislação de trânsito como profissional, não havendo espaço na própria lei para enquadrá-lo como aprendiz.
Narciso Figueirôa Junior, assessor jurídico na NTC&Logística, advogado e sócio na Figueirôa Junior Advocacia
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